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Como a prática da dança pode auxiliar no combate aos transtornos mentais


O dia 10 de setembro é, oficialmente, o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio e por isso esse foi o mês escolhido pela Associação Brasileira de Psiquiatria em parceria com o Conselho Federal de Medicina que, desde 2014 organizam nacionalmente o ?Setembro Amarelo?, com o objetivo de estimular a sociedade a dialogar sobre o tema e assim, ajudar a prevenir e reduzir os números de suicídios.


Nós convidamos a psicóloga Ana Luisa Guimarães, que também é aluna da WE Dance e praticante de dança de salão para falar um pouco conosco sobre o tema.

 

WE: Você, como psicóloga, acredita que a dança pode ser uma ferramenta no combate a depressão?


AL: A depressão é uma condição multifatorial e que, portanto, demanda diferentes tipos de cuidados. É sempre importante lembrar que a depressão é um tipo de adoecimento e, como tal, precisa de tratamento psicológico e psiquiátrico, além do envolvimento da família e implicações sociais/comunitárias/políticas. Depressão não é entristecimento, pelo contrário. Sentir tristeza sinaliza conseguir ainda manter contato com a vitalidade, com os afetos, com o próprio mundo interno. A depressão está mais associada à anestesia, a um estado de entorpecimento diante da própria existência e que pode levar até ao questionamento da pertinência da manutenção da vida.

A dança pode servir, a princípio, como uma ferramenta de prevenção à depressão. A dança pode favorecer o contato social e o desenvolvimento de uma relação positiva com o próprio corpo, além da abertura a novas experiências que facilitam o resgate da sensibilidade e da criatividade. Em termos fisiológicos, já é mais do que comprovado que a prática de exercícios físicos é um componente significativo na prevenção de diversas doenças e na manutenção da saúde mental também. Enquanto um indivíduo saudável puder preservar estes aspectos em sua vida, terá mais fatores protetores em termos de saúde mental e, consequentemente, menos chances de adoecer gravemente.

*Existem vários estudos que explicam a relação entre atividade física e prevenção/tratamento da depressão.

Quando a depressão já existe, dificilmente a pessoa se sentirá disposta o suficiente para começar espontaneamente uma nova atividade, como dançar. O quadro clínico da depressão exige um tratamento profissional ? psicológico e, muitas vezes, medicamentoso. É uma ilusão acharmos que a distração (através de qualquer atividade) irá solucionar o conflito que a pessoa vivencia. As ocupações que têm o intuito de evitar o contato com a dor, quando usadas em demasia, podem trazer um alívio momentâneo. De fato, estas estratégias tornam-se prejudiciais quando postergam o confronto do indivíduo com suas próprias questões. Seria o análogo a tomar um analgésico quando se tem alguma dor ? ele alivia o sintoma. Mas e então, você vai procurar o que está causando a dor ou não? Se você se habituar a tomar o analgésico e não tentar descobrir o que causa aquele sintoma, provavelmente o que subjaz aquela dor irá se agravar cada vez mais e, com o passar do tempo, se tornará ainda mais difícil tratar.

Por outro lado, é claro que o tratamento para uma lesão física não deve ser feito sem analgesia, não é? Eu posso ir ao médico, fazer exames e me submeter a um tratamento ? mas eu não preciso fazer isso sentindo dor constantemente. Da mesma forma, o tratamento para a depressão pode e deve envolver atividades que tragam prazer ou que ajudem a diminuir o sofrimento em alguns momentos. Pode ser que nos estágios mais graves de um quadro depressivo, a pessoa não se sinta ainda aberta para sair da cama ? que dirá dançar? Com o decorrer do tratamento, pode ser que já existe energia o suficiente para tal e então sim a dança pode exercer um papel fundamental no reestabelecimento da vida psicossocial.


WE: Como a prática da dança pode auxiliar esses pacientes, na sua opinião?


AL: Para os pacientes que já têm depressão e que conseguem se engajar na dança, os benefícios podem ser diversos. A dança implica em uma relação com outra pessoa, favorecendo o estabelecimento de vínculos e de uma rede de apoio social. Quando o ambiente de uma escola não funciona por meios punitivos (exacerbando os erros de forma negativa), é possível encontrar na dança um espaço de desenvolvimento da capacidade de tolerar a imperfeição ? afina quem nunca erra um passo? Se eu posso tolerar um ?erro? no meio da dança e, ainda assim, encontro meios de continuar sem parar no meio da música, pode ser que eu consiga também tolerar algumas outras dificuldades. Pode ser que eu consiga ser mais tolerante com aquele trabalho que não saiu exatamente do jeito que eu gostaria, mas que pode ainda assim ter algo de proveitoso. Ou que eu consiga manter uma conversa com alguém mesmo depois de falar algo que me pareceu bobo, mas que talvez aquela pessoa nem tenha reparado ou tenha até achado legal aquilo. Qualquer experiência de tolerância com a nossa humanidade pode ser transposta a outras áreas da nossa vida e nos ajudar a lidar com o fato de que somos humanos e, portanto, imperfeitos. Aliás, é aí ? das nossas particularidades, erros e dificuldades ? que emerge nossa maior capacidade criativa. Dos erros, podem surgir passos novos e uma dança incrível acontecer. Quando temos condição de cuidar da nossa autoexigência, podemos nos abrir a viver ? e não só ensaiar uma vida perfeita, mas que não sai do papel.


WE: Você acredita que a dança possa substituir um tratamento terapêutico?


AL: Não. Pelo contrário, a dança ? assim como o trabalho, relacionamentos, drogas ou praticamente qualquer outra coisa ? pode servir como fuga das próprias questões. Sofrer não é gostoso e é instintivo que busquemos alívio imediato; como podemos observar acontecendo na atualidade em tantas dimensões diferentes. Ir ao encontro dos nossos conflitos e do que pode estar gerando desconforto dói e exige alto investimento ? emocional, racional, de tempo e de dinheiro (vale ressaltar que hoje encontramos inúmeros projetos sociais de atendimento psicológico que facilitam o acesso de qualquer pessoa à assistência psicológica). Por mais difícil que seja, é o tratamento terapêutico com profissionais que pode permitir que o indivíduo receba com segurança e responsabilidade o cuidado que precisa.


WE: Você recomendaria a prática da dança em quais situações?


AL: A dança pode ajudar em qualquer situação, sendo de grande valia para qualquer um que queira explorar as próprias possibilidades de expressão via corpo. Desta forma, acho que pode ser especialmente transformador para quem sentir dificuldades com a autoimagem ou o estabelecimento de confiança nas relações. Importante aqui ressaltar que, para que essas pessoas de fato se beneficiem da dança, é preciso que exista o amparo de profissionais sensíveis o bastante para não reproduzirem situações de abuso, assédio, traumas ou exigências perfeccionistas ? neste caso, a dança é absolutamente contraindicada, especialmente para estas pessoas. Além disso, vale lembrar que não é realista esperar que alguém com quadros graves de depressão consiga simplesmente ir dançar. Ir dançar implica em já ter condições mínimas de saúde física e mental; muitas vezes em falta quando alguém tem este diagnóstico.

 

Como bem explicado pela psicóloga Ana Luisa, é importante diferenciarmos os sentimentos de tristeza, cansaço, estresses diários e até uma ansiedade pontual, que podem levar a um quadro depressivo de casos mais graves de depressão, que exigem acompanhamento profissional.

Vários são os benefícios da prática da dança de salão que podem contribuir na prevenção da depressão.

 

1) Hormônios da Felicidade


Também conhecido como o ?quarteto da felicidade?, a dopamina, endorfina, serotonina e ocitocina são os hormônios responsáveis pela sensação de prazer e bem estar. Juntos, eles fazem muito bem ao nosso metabolismo.

A prática da dança de salão estimula a produção desses hormônios, atuando diretamente no combate a alguns dos sintomas da depressão, melhorando nossa motivação, reduzindo o estresse e aumentando a sensação de confiança.

?A dança foi a melhor coisa que tive para levantar e sorrir novamente, não entendo as letras das músicas, só sei que as batidas entram no meu coração? diz Geni Watanabe, praticante de dança de salão há mais 15 anos.

 

2) Socialização


A prática da dança de salão aproxima as pessoas e nos permite conhecer diferentes indivíduos e fazer amigos, melhorando nossas relações interpessoais e propiciando momentos de diversão e convívio, o que estimula os sentimentos de empatia, respeito ao próximo e aquela sensação de pertencimento que nos faz tão bem.

?A dança de salão, especificamente, envolve um outro. Uma outra pessoa com quem se deve confiar e estabelecer uma parceria. Parceria mesmo, não competição. Se um dos parceiros busca se sobressair ao outro, a dança vira um desastre agonizante. Se os dois estão dispostos a se conectarem e, a partir disso, descobrir o que podem construir juntos, temos um espaço para algo muito divertido e inusitado ser experimentado ali.? ? complementa Ana Luisa.

?Fazer aulas de dança representaram para mim, um momento de reencontro comigo mesma, um momento de autocuidado (autocuidado é também priorizar as coisas que amamos fazer, sobretudo nos dias ou períodos mais difíceis da vida) e um momento de interação/socialização com outras pessoas, que culminaram em relações que se estenderam para além das aulas e bailes da escola. Quem trabalha com saúde mental, sabe o quão importante é o apoio social para o enfrentamento de inúmeras adversidades. Quem já passou momentos difíceis na vida, sabe o quanto é reconfortante sentir que não está sozinho.? ? revela Marina Belleli, psicóloga e praticante de dança de salão.

 

 

3) Melhora do raciocínio e memória


Como a prática da dança de salão envolve passos e movimentos específicos, o processo de aprendizado exige concentração, o que auxilia no aumento da atenção, da melhora do raciocínio e da memória.

Durante as aulas de dança nossa mente está tão concentrada em executar os movimentos, conduzir e ser conduzido, ouvir a música, que não há espaço para pensar em outras coisas, principalmente, nas questões que podem estar nos afligindo.

Assim, é possível aliviar as pressões e estresses do dia a dia, fazendo uma atividade que dá prazer e ajuda a esquecer um poucos dos problemas.

 

4) Melhora a autoestima e a confiança


A dança de salão é uma atividade física leve, e mesmo que não envolva trabalhos musculares diretos, o exercício contínuo faz com que a musculatura fique mais firme, também ajuda a fortalecer as articulações, melhorar a elasticidade, o equilíbrio e a postura além de melhorar a comunicação e a desenvoltura gerando mais confiança e melhorando a timidez.

?Quando alguém se propõe a fazer uma aula de dança, um dos primeiros impactos pode ser despertado ao se olhar nos espelhos que geralmente estão dispostos nos espaços das escolas de dança. O ato de dançar necessariamente passa pela atenção que é voltado ao corpo. Inicialmente, ao se olhar de corpo inteiro, a pessoa é confrontada com uma imagem que pode ou não lhe ser familiar. Nem todo mundo está acostumado a se demorar diante de um espelho, observando esse corpo que, na aula é convidado ser o principal agente atuante. Ao se olhar no espelho, a dança já inaugura o primeiro convite; olhe para o corpo em que você vive. Para além de uma imagem que se encaixa ou não dentro de determinado padrão, a dança desafia você a prestar atenção no que você pode vivenciar a partir do corpo que têm. O seu corpo, independente da forma que tem, é o que pode te permitir experimentar algo novo ali. Ele vai ser o seu veículo para que seja possível alguma dança acontecer. Então esse é um espelho diferente, ele propõe um olhar para o corpo dinâmico, não um organismo estático. Não importa, na hora da dança, quantos likes você recebe quando posta uma selfie. O que importa é como você vai conseguir se relacionar com esse corpo que chama de seu. Ele te restringe ou te permite expansões? Você se restringe ou você se permite expandir?? ? diz Ana Luisa.

Perceber a capacidade de aprendizado e a superação dos pequenos desafios também faz com que aumente o autoconhecimento e consequentemente, uma melhora da confiança e autoestima.

 

A dança não cura!


Mesmo com todas as vantagens já citadas, o praticante de dança de salão terá que lidar com suas dificuldades, pois existem desafios para todo mundo, lidar com a ansiedade e entender que nenhum aprendizado é de um dia para o outro, não comparar sua evolução com a de outras pessoas, enfim, a superação desses desafios também vai auxiliá-lo a se conhecer melhor e a lidar de forma mais natural com os desafios da vida. Mas, para isso é imprescindível o acompanhamento com bons profissionais de dança para auxiliá-lo nesse processo.

?A dança que é gostosa acontece não quando a dupla combina os passos coreografados, mas quando, mesmo sem ensaio, é possível que um sinta e respeite o outro, criando uma conexão diferente. Que bom que é entender que se nos permitirmos sentir (a nós mesmos e ao outro) algo único pode acontecer. Claro que esse processo exige muita confiança e segurança, por tanto é imperioso que os profissionais que trabalham nesse ramo não sejam apenas reprodutores de técnicas. Os professores de dança lidam com partes muito íntimas de seus alunos, eles precisam compreender que cada um vive um processo único e que, para muita gente, isso envolve inseguranças, medos e traumas. O difícil não é ensinar um passo. É mostrar para o aluno que ele pode, aos poucos, confiar em si e no outro.? ? complementa a psicóloga Ana Luisa. 

Enfim ouvir músicas, exercitar o corpo, superar a vergonha, controlar a respiração, ter paciência, lidar com as diferenças, superar os limites, além dos benefícios do abraço e do contato, tornam a dança de salão, uma atividade completa, pois trabalha o corpo, a mente e a alma.

 ?2019 foi um ano bem difícil em minha vida e também um ano em que me reencontrei com muitas coisas importantes para mim. Uma delas foi a dança. Me lembro a primeira vez nesse ano em que fui pra um forró. Me senti maravilhada relembrando a delícia que é dançar. Eu não lembrava mais o quanto gostava de fazer isso. Saí de lá pensando: ?Como é que eu pude deixar a dança de fora da minha vida por tanto tempo??. ? relata Marina Belleli

Por isso é importante aprendermos a identificar o que são sentimentos passageiros e o que pode ser uma depressão mais grave. Não deixar de ir a uma aula ou a um baile naqueles dias que está meio desanimado, se sentindo cansado ou com vontade de ficar sozinho, pois todos os benefícios da dança já mencionados anteriormente podem ajudá-lo a se sentir melhor, mais confiante e mais disposto. E persistindo esses sentimentos, não deixar de procurar uma ajuda profissional.